Zero-click e a nova métrica da descoberta: quando a resposta é o fim da jornada
O zero-click não é apenas um efeito colateral da IA.
Este é o terceiro capítulo da série “A nova lógica da descoberta na era da IA”. No primeiro, questionei as limitações do AEO e defendi o GEO como um paradigma mais estratégico. No segundo, mostrei como SEO, AEO e GEO formam um ecossistema integrado. Agora, avançamos para um dos fenômenos mais disruptivos: o zero-click.
O zero-click não é apenas um efeito colateral da IA. É um marco que redefine métricas, desestabiliza publishers e desafia marcas a construírem autoridade em um mundo em que a resposta acontece sem o clique.
Se antes já víamos sinais com os snippets do Google, agora a IA generativa amplifica esse movimento. Cada vez mais, a jornada do usuário termina na própria resposta. Isso muda métricas, modelos de atribuição e até a forma como entendemos a relevância digital.
A origem do zero-click
O conceito de zero-click search não é novo. Ele começou a ganhar corpo nos anos 2010, quando o Google passou a exibir respostas diretas: previsão do tempo, horários de jogos, mapas, snippets.
Em 2019, um estudo da SparkToro mostrou que 50,3% das buscas nos EUA já não geravam clique algum.
Em 2022, a SimilarWeb ampliou essa visão: em alguns setores, esse número chegava a 65%.
Era o início de uma mudança estrutural: o usuário buscava respostas rápidas e não via necessidade de visitar o site de origem.
Use case histórico:
Sites de previsão do tempo perderam grande parte de seu tráfego quando o Google começou a exibir a informação diretamente na SERP. A lógica de “descoberta + clique + monetização” começava a ruir.
A aceleração pela IA generativa
Com o avanço de ChatGPT, Perplexity, Gemini AI e Google AI Overviews, o zero-click deixa de ser efeito colateral e passa a ser a regra.
Segundo a Ahrefs (2025), buscas em ambientes de IA geram até 30% menos cliques do que buscas tradicionais. A Adobe confirma: 76% dos usuários de ChatGPT nos EUA já o tratam como buscador principal.
O que isso significa?
O usuário pergunta e recebe a resposta completa, muitas vezes com contexto adicional.
A navegação acontece dentro da própria resposta, sem incentivo para clicar.
A atribuição de tráfego se torna opaca: de onde veio a informação? Quem está sendo reconhecido?
Use case contemporâneo:
A Perplexity começou a testar anúncios nativos em 2024. Mesmo assim, a maior parte da interação do usuário continuava dentro da resposta — reduzindo a chance de cliques externos.
O impacto para publishers e marcas
Historicamente, publishers e marcas viveram de tráfego. Publishers monetizavam anúncios com base em pageviews. Marcas mediam eficácia por acessos e conversões no site.
Com o zero-click:
Publishers perdem audiência direta.
Marcas têm menos controle sobre a jornada.
A lógica de “atrair para converter” é substituída pela de “estar presente na resposta”.
Use case:
Quando alguém pergunta ao ChatGPT “quais são os melhores cafés sustentáveis?”, a resposta pode citar a Nespresso ou a Illy sem gerar clique. O valor não está em levar o usuário para o site, mas em ser lembrado como referência legítima.
No setor de saúde, isso já é realidade: a Mayo Clinic aparece recorrentemente em respostas sobre doenças e tratamentos. O tráfego não cresce, mas a autoridade da marca se fortalece — e isso se traduz em confiança e relevância cultural.
O lado técnico do zero-click
Do ponto de vista técnico, o zero-click obriga a rever frameworks:
Dados estruturados: schema markup continua relevante, mas sozinho não garante citação em LLMs.
Métricas: impressões e cliques não bastam. Surge a necessidade de medir share of voice em respostas de IA.
Atribuição: o modelo de funil clássico se desintegra. É preciso mapear presença em superfícies múltiplas (LLMs, buscadores, redes sociais).
Startups como Profound já oferecem dashboards que mostram em quais prompts uma marca aparece e com que frequência. É o embrião de um novo “Search Console para a era da IA”.
GEO como resposta ao zero-click
É aqui que o GEO (Generative Engine Optimization) mostra sua relevância.
Se o clique não é mais garantido, a prioridade passa a ser:
Construir confiança – ser citado porque a IA reconhece legitimidade.
Sustentar narrativas – garantir coerência entre o que a marca comunica e como é percebida.
Gerar influência cultural – estar presente em ecossistemas de referência (mídia, comunidades, academia, creators).
Use cases estratégicos:
Coca-Cola - Y3000
A Coca-Cola, com o projeto Y3000 (lançado em 2023 com IA generativa), conseguiu transcender o clique. Em 2024, ao perguntar sobre “cases de IA em marketing”, ChatGPT frequentemente trazia esse exemplo — não porque houve SEO ou AEO, mas porque a narrativa foi forte o bastante para entrar no repertório cultural da IA.
Nike – .Swoosh e Air Force 1 Virtual
Em 2023, a Nike lançou o .Swoosh, sua plataforma de colecionáveis digitais e experiências virtuais. O projeto virou referência cultural em IA e Web3. Hoje, ao perguntar a modelos de IA sobre “cases de inovação digital no esporte”, a Nike aparece de forma orgânica como exemplo de autoridade. Não é sobre tráfego para o site, mas sobre a marca estar presente como resposta cultural.
Heinz – “Draw Ketchup” (2022–2023)
A Heinz pediu a modelos de IA generativa para desenharem “ketchup” e, na maioria das vezes, a resposta era… Heinz. O case virou viral e hoje é lembrado espontaneamente por LLMs e pela imprensa como exemplo de reconhecimento de marca na era da IA. É um dos melhores exemplos de zero-click cultural: a marca não precisou levar o consumidor ao site para ser lembrada como sinônimo da categoria.
Spotify – DJ de IA (2023)
O Spotify lançou o recurso “DJ” com IA generativa que conversa e recomenda músicas em tempo real. O case passou a ser citado como inovação em personalização, aparecendo em respostas de ChatGPT e Gemini. Não gera cliques para fora, mas fortalece a narrativa de autoridade em música + tecnologia.
Nestlé – Nespresso & Sustentabilidade (2025)
Como já comentamos, a Nestlé conseguiu se posicionar em respostas de IA ao sustentar narrativas sobre sustentabilidade e origem de cafés. É um exemplo recente de como coerência narrativa gera presença em zero-click.
LEGO – Educação e criatividade com IA (2024)
A LEGO lançou projetos de aprendizagem criativa apoiados por IA generativa, explorando como crianças podem co-criar histórias com blocos e narrativas digitais. Quando se busca em LLMs exemplos de educação + IA, a LEGO aparece espontaneamente. O ganho está em reforçar sua autoridade cultural como marca de criatividade.
Estratégias para marcas na era do zero-click
Para navegar nesse novo cenário, as marcas precisam:
Investir em conteúdo proprietário que gere autoridade além do tráfego.
Construir legitimidade via citações cruzadas (parcerias com imprensa, academia, creators).
Monitorar share of voice em LLMs e usar novas ferramentas de auditoria.
Redefinir ROI: do clique para a influência, da visita para a lembrança.
Conclusão: a descoberta sem cliques
O zero-click não é um problema a ser combatido, mas um sinal de maturidade digital. Ele obriga publishers e marcas a entenderem que a descoberta nunca foi apenas sobre tráfego, mas sobre relevância e confiança.
Se no SEO a obsessão era estar em primeiro lugar, e no AEO é aparecer em respostas, no GEO o jogo é outro: ser escolhido como fonte legítima em um ambiente de descoberta fragmentado e generativo.
Este é o terceiro capítulo da série “A nova lógica da descoberta na era da IA”.
No próximo artigo, vamos explorar o GEO na prática: como preparar sua marca para ser escolhida pela IA, com estratégias aplicáveis, frameworks técnicos e cases de mercado.
Referências para aprofundamento:
SparkToro & SimilarWeb (2019–2022): estudos sobre zero-click.
Ahrefs (2025): impacto do zero-click em buscas por IA.
Adobe (2025): hábitos de uso de ChatGPT como buscador.
Casos: Perplexity Ads (2024), Nestlé Cafés (2025), Coca-Cola Y3000 (2023), Mayo Clinic.



